Implantes Cocleares são dispositivos eletrônicos direcionados à reabilitação de pessoas com perdas auditivas profundas e que não apresentam benefícios com uso dos tradicionais aparelhos auditivos de amplificação sonora (AASI).
Na audição normal, a cóclea é o órgão responsável pela transformação do som como energia mecânica em energia elétrica. Isso ocorre através da função das células ciliadas da cóclea.
As Células Ciliadas da cóclea são assim:
Abaixo, dois vídeos mostram como funciona a audição normal e as células ciliadas externas:
Na evolução da maioria dos casos de perdas auditivas, as células ciliadas da cóclea vão perdendo progressivamente sua função. Alguns exemplos de afecções que cursam com lesão perda de células ciliadas da cóclea:
- infecções, tanto virais (exemplo Rubéola) quanto bacterianas (exemplo Meningite bacteriana)
- muitas das doenças genéticas da audição
- doenças auto-imunes, da “família” dos reumatismos
- diversas medicações, como alguns antibióticos e alguns diuréticos
- a exposição da pessoa a ruídos muito altos e/ou repetitivos
- idade, a partir dos 40 a 50 anos, variando de pessoa a pessoa.
- outros
Quando há lesão dessas células ciliadas, usamos amplificação sonora para estimular mais as células que sobraram saudáveis. Isso é feito através de aparelhos de amplificação sonora individual (AASIs). Felizmente, os AASIs conseguem corrigir a grande maioria dos casos de surdez.
Existe um ponto no qual os AASIs não conseguem mais reabilitar a audição de forma satisfatória. Quando há um número muito grande de células ciliadas da cóclea sem funcionar, a simples amplificação do som já não surte mais efeito.
Abaixo, uma foto mostrando a comparação entre uma cóclea normal e uma cóclea bastante lesionada. Note a ausência de células ciliadas em algumas áreas:
Nestes casos, como a amplificação sonora com AASI não é mais suficiente, está indicado outro tipo de tratamento: o implante coclear.
O implante nada mais é do que um aparelho eletrônico que “substitui a função da cóclea”, estimulando diretamente o nervo auditivo. Trata-se de um eletrodo que é colocado dentro da cóclea, “abraçando” o nervo auditivo e fazendo a função das células ciliadas da cóclea. Em outras palavras, o implante coclear substitui as células ciliadas da cóclea que já não são mais suficientes para uma boa audição.
Desta forma, o paciente não ouvirá mais pelo tímpano, mas pelo microfone da prótese que capta o som, transforma em eletricidade e envia diretamente para o nervo auditivo. Devido ao fato de esta prótese substituir a função do ouvido doente, o implante coclear é popularmente chamado de “ouvido biônico”. O implante é composto de 2 partes: uma externa e uma implantável.
Parte externa (processador)
A parte externa é muito parecida com os AASIs convencionais retroauriculares. A única diferença é que possuem uma parte a mais, um pequeno cabo chamado de antena. A antena serve para se conectar de forma transcutânea (com a pele íntegra) com a parte interna do implante. Isso é feito por envio de informações de forma sem fio, ou seja, não há conexão direta (física) da parte interna com a parte externa do implante. A antena ficará posicionada no local adequado através de um imã. Enquanto a antena estiver no lugar, a unidade interna do implante estará funcionando. Quando o paciente tiver de tomar banho, nadar, dormir etc, removerá a unidade externa e o implante irá desligar. Nesta parte externa do implante estão o microfone, o processador de som e a bateria do dispositivo.
Parte interna (implante)
A parte interna é composta por um corpo de silicone ou de cerâmica que ficará debaixo da pele do paciente, na região atrás da orelha. Deste corpo, sairá um eletrodo que se continuará até o interior da cóclea, “abraçando” o nervo auditivo. O dispositivo interno não tem bateria, não funciona sozinho, necessita estar acoplado à unidade externa, através do imã, para funcionar.
Indicações
Os Implantes cocleares estão indicados para pacientes com perdas auditivas severas a profundas que não apresentaram uma melhora satisfatória da sua função auditiva com uso de AASIs. Sendo assim, o paciente candidato ao implante coclear tem sempre que testar um AASI antes de se decidir pela cirurgia (salvo casos de meningite bacteriana).
Para ser candidato ao implante, o paciente tem que possuir uma anatomia favorável à cirurgia, ou seja, tem que possuir nervo coclear íntegro e cóclea pérvia para a passagem do eletrodo. Situações como a existência de malformação importante do ouvido interno podem ser um problema. Outra situação é quando o paciente apresenta fechamento do espaço dentro da cóclea, o que pode acontecer em casos de infecções diretas da cóclea secundárias a quadros de meningite (labirintite ossificante). Por isso, os pacientes que perdem a audição após um quadro de meningite são prioridade para o implante coclear, para que a cirurgia seja feita antes da cóclea se ossificar. A situação anatômica dos ouvidos é avaliada através de tomografia e de ressonância magnética.
A idade mínima para a realização da cirurgia é variável entre os cirurgiões, mas a maioria aceita um ano de vida ou 7 a 10 kg de peso como suficiente para um procedimento seguro.
A idade máxima para a realização do implante depende do paciente ser “pré-lingual” ou “pós-lingual”. Chamamos de “pré-lingual” o paciente que perdeu a audição antes de aprender a falar, ou seja, indivíduos que nasceram surdos ou que ficaram surdos nos primeiros meses de vida. Já os pacientes que já sabiam falar na época em ficaram surdos são classificados como “pós-linguais”.
No caso dos “pré-linguais”, o implante deve ser realizado até no máximo 6 anos de idade, sendo que o resultado será melhor quanto mais precocemente a cirurgia for realizada. Isso ocorre porque o corte cerebral necessita de estímulos sonoros para poder se desenvolver. Se o córtex não receber esses estímulos nos primeiros anos de vida, ele não vai se especializar e não vai “aceitar” e “interpretar” corretamente o som posteriormente. Existem no mundo pacientes “pré-linguais” que foram implantados em idade mais avançada, adolescentes ou adultos. Os resultados nestes casos foram bastante variados, com algum pacientes apresentando melhora da qualidade de vida e outros que abandonaram o uso do implante. Sendo assim, a maioria dos especialistas concorda com o limite de seis anos nos pré-linguais não oralizados. No Brasil, o SUS e a maioria dos convênios utilizam essa idade limite como regra.
Nos casos “pós-linguais” não há um limite de idade. Se o indivíduo já possuía um código linguístico bem estabelecido antes de perder a audição ele pode ser implantado em qualquer idade. A maioria destes pacientes apresenta excelentes resultados pelo fato de já possuírem memória auditiva, mas o desempenho do implante será melhor quanto menor for o tempo de privação sonora, ou seja, quanto menor for o tempo que o paciente ficou sem ouvir. Nosso paciente mais novo tinha menos de 1 ano, e o nosso mais velho tinha 87 anos.
Cirurgia e Ativação
O procedimento cirúrgico de implantação da prótese é realizado sob anestesia geral e tem uma duração variável de uma a três horas, dependendo do cirurgião. Apresenta um índice de complicações pequeno, sendo o nervo facial (que faz a movimentação do rosto) o mais exposto a complicações devido à sua posição dentro do osso temporal próxima ao caminho que o eletrodo tem de fazer até chegar à cóclea. Mas a maioria das equipes de implante coclear conta com o recurso de monitorização intraoperatória deste nervo, minimizando assim os riscos de complicação. A ativação do implante é realizada apenas após 30 dias da cirurgia, quando os tecidos manipulados estão cicatrizados.
Os resultados são muito bons na maioria dos casos, mas existem muitas variáveis que influenciarão o desempenho auditivo destes pacientes, principalmente: idade, tempo de privação auditiva, anatomia da cóclea, diagnóstico etiológico (causal) da perda auditiva, e, notadamente, o tratamento fonoterápico pós-operatório e a motivação do paciente (e família) em ser submetido à cirurgia.
O implante coclear não é apenas uma cirurgia, mas um método de tratamento que envolve diagnóstico, acompanhamento, cirurgia e terapia fonoaudiológica por tempo muitas vezes prolongado. A terapia fonoaudiologia é importantíssima e diretamente relacionada com o sucesso do tratamento. Como exemplo da sua importância, citamos o caso de duas irmãs gêmeas: uma surda “pré-lingual” e a outra ouvinte. A surda foi diagnosticada precocemente e implantada em idade ideal. Fez terapia fonoaudiológica desde o diagnóstico. Alguns anos depois, a paciente implantada desenvolveu fala mais rapidamente que a irmã ouvinte. Neste caso, a audição com uso de implante coclear não é melhor do que a audição com um ouvido normal. Logo, o que levou a paciente implantada a ter uma comunicação melhor foi justamente a terapia fonoaudiológica.
Apesar de ser um dispositivo de alto custo, o implante coclear é coberto pelo SUS (atualmente apenas uma orelha) e pelos convênios (as duas orelhas).
AGRADECIMENTOS: Fonoaudióloga Dra Elaine Soares (CRFª 2-8024) e Dr. Henrique Gobbo (CRM – 117688 SP)
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